"No Porto optámos por um festival mais gourmet"
- Para quem ainda não teve oportunidade de ir até ao Parque da Cidade durante o NOS Primavera Sound, como é que descreveria o festival e que características tem que o diferenciam de outros?
É um festival que veio de Barcelona e que tem características muito próprias, nomeadamente ao nível da programação. É um festival que consegue ter, no mesmo cartaz, artistas consagrados, artistas que são as novidades do ano e, ao mesmo tempo, reabilitar algumas bandas que foram influentes no seu tempo e que neste momento são desconhecidas para a generalidade do público, mas que tiveram a capacidade de influenciar muitas bandas de hoje em dia. Sendo que a história não atribuiu, a muitos destes grupos, a importância devida. No cartaz diria que artistas consagrados são nomes como Pixies, The National ou Caetano Veloso. Artistas do ano menciono Ty Segall ou Darkside. O "revival" vem da parte dos Loop, dos Slowdive, dos Slint ou dos Television, que vão tocar esse álbum de referência que é o Marquee Moon. Este é um festival assente na programação. Não é igual à maioria dos festivais atuais, que se basieam um pouco nas grandes tours mundiais dos artistas e que, assim, acabam por ter o mesmo programa.
- Por essas razões o festival tem também um público diferente?
Sim, é bastante diferente. Caracterizando de uma forma genérica, é um público mais adulto, que tem algum poder económico. Mais de 50% das pessoas viajam do exterior para ir ao festival. É um público cuja média de idades anda à volta dos 35 anos e há mais pessoas com mais de 40 anos do que com menos de 18. Ter este público nas mãos lança desafios também diferentes. Por exemplo, aqui no Porto optámos por um festival mais gourmet, se quiser, apostando no conforto das pessoas. Estamos no Parque da Cidade, que convida a isso. Queremos manter uma ligação à cidade e, assim, responder ao nível de exigência que o público pede.
- O NOS Primavera Sound tem também um papel de divulgação da região do Porto?
É esse o objetivo. Quem nos visita nestes dias e não tem tempo para fazer grandes passeios pela cidade tem aqui um cheirinho daquilo que é a cidade do Porto, daí termos na área de restauração do festival algumas das tasquinhas mais representativas da cidade e, no mercadinho que temos, em vez de ter o tradicional artesanato, temos criadores de moda do Porto, pessoas ligadas ao imobiliário e ao design. Portanto, vamos mostrar um pouco da criatividade do Porto, porque se o Porto está na moda, como as revistas internacionais dizem, isso também se deve à criatividade da cidade.
- Qual é o impacto que o festival tem na comunidade e na economia locais?
Após os estudos que temos feito, sendo que fazemos a extrapolação a partir do número de pessoas vezes os gastos médios que cada pessoa faz, calculámos que o impacto económico para a cidade do Porto, e para esta frente atlântica, anda entre os 10 e os 12 milhões de euros, o que é significativo.
- Este impacto também se deve à aposta de chamar muito público internacional?
A divulgação feita hoje em dia é, mais ou menos, a mesma que todos os que andamos nisto fazemos. É ter uma boa página web, informação, interatividade e algumas parcerias, como, por exemplo, com a Pitchfork, que programa um palco cá. Apostar em sites, webzines, revistas como a Vice, que tem um impacto grande no mundo anglo-saxónico, que nos permite ir diretamente a este público.
- Quais são as mais valias de ter dois palcos comissariados por entidades internacionais, o All Tomorrow's Parties e a Pitchfork?
É o reconhecimento de que existem pessoas que podem fazer tão bem ou melhor que nós. Há gente que está mais por dentro de certas ondas que se passam a nível global do que nós. É um exercício fácil porque existem pessoas que fazem coisas bem e, por isso, convidamos-os a estar connosco. Talvez por isso existe tanta diversidade na programação. A Pitchfork está em Chicago, o ATP em Londres, depois há a ligação à Catalunha, Espanha, e nós aqui em Portugal. É este caldeirão que faz esta aldeia global da música.
- Essa diversidade nota-se logo no primeiro dia, amanhã, em que vão tocar artistas tão diferentes entre si como Caetano Veloso, o rapper Kendrick Lamar ou a cantora Sky Ferreira...
A lógica da programação é sempre a qualidade musical, venha ela de onde vier. O diretor de Barcelona diz que um dos defeitos é ainda não ter muita música negra. Este ano temos o Kendrick Lamar. Se calhar temos algum preconceito, mas é bom ter estes contactos com entidades como a Pitchfork, que aposta muito em r&b e hip hop, géneros que são hoje planetários. O nosso objetivo é que daqui a dez anos olhemos para trás e vejamos que o festival foi uma montra do que se passava em 2014.
- Curiosamente, o rapper Kendrick Lamar vai encerrar o Palco NOS, o palco principal do festival, no primeiro dia, algo que é raro em Portugal.
É um risco calculado. Kendrick Lamar é um artista reconhecidamente válido, a sua música tem qualidade, é uma das novas apostas da música americana para internacionalizar e a sua linguagem está mais próxima de uma linguagem europeia. Talvez seja um novo Kanye West, que tem uma aceitação mundial. O que pode acontecer, e estou bastante ansioso com isso, é ver como será o público. Se calhar vamos ver os pais a ver Caetano Veloso e os filhos a ver Kendrick Lamar. Pode resultar num público muito heterogéneo.
- A nível pessoal tem especial curiosidade em ver que grupos?
Não sou muito ligado aos clássicos, sou mais de coisas atuais. Como já vi quase todos os concertos que vou ter aqui no Primavera, as minhas expectativas recaem mais para o Rodrigo Amarante, que tem um álbum fabuloso, para Ty Segall, que é um reinventor do rock e, nos próximos anos será muito grande e acredito que possa ser "o" concerto do festival e, numa lógica diferente, destaco Darkside, que têm um dos álbuns que mais gosto dos últimos anos.